Livre para morrer rindo: James Broughton

Por Sergio Viula

a cama broughton

A CAMA

Por James Broughton

Tradução livre: Sergio Viula

https://www.youtube.com/watch?v=bc0Dqv6ubAg

Tudo de importante na vida ocorre sobre a cama

É onde você chora quando nasce

E onde jaz quando morre 

Você gasta um terço da sua vida na cama

Com doença, sexo, sono

Você pode dar uma boa gargalhada com seu amor na cama

Mas ela também é usada para o pranto

Na cama, as coisas mais fantásticas são desejadas e concebidas

É onde você sonha, onde você descama

É onde você é enganado

É onde, na terra, você nasce

E onde a maior parte da sua infância é passada

É onde você goza

Ou não goza

É onde você chega ao fim.

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A poesia dele, por si só, é fantástica, mas o filme feito em cima dela é um show à parte. Aviso: corpos nus aparecem durante o filme, mas nada têm a ver com aquilo que alguns dos senhores e algumas das senhoras costumam assistir nos sites de “adultos” por essa mundão do meu não-deus. Hehehe

Vale a pena assistir.

James Broughton e eu quase nos desencontramos. Claro que não me refiro a um encontro real, em pessoa, porque ele faleceu em 1999, no dia 17 de maio, mais precisamente.

Digo que quase nos desencontramos, porque o Centro Cultural da Caixa Econômica Federal do Rio de Janeiro estava apresentando uma mostra de filmes com ele desde o dia 04 de agosto, mas eu só fui descobrir isso na última sexta-feira, 14/08, ou seja, dois dias antes do encerramento.

Fiquei encantando com a poesia de James Broughton e com o caráter libertário, resolvido consigo mesmo, com o outro e com a natureza a sua volta, que ele transpirava por cada poro de sua filmografia poética. Sim, porque James Broughton era poeta antes de tudo e contribuiu para o que veio ser conhecido como a Renascença de São Francisco, um período de florescimento da poética americana que, no caso dele, principalmente, desconhecia as fronteiras do medo e da vergonha de si mesmo.

O poeta viveu plenamente sua poesia. Sua morte foi tão inusitada quanto sua vida. De acordo com seu amigo Martin Goodman, James Broughton, nascido em 1913 e falecido em 1999, teve champanhe colocado sobre sua língua enquanto falecia. Morreu sentindo o gosto da preciosa bebida. Foi cremado. No final da tarde, seus amigos cruzaram a Golden Gate, famosa ponte de São Francisco, e postaram-se diante do mar, onde um jovem coberto com as cinzas do poeta rodopiava, dançando para dentro dele – o mesmo oceano que tantas vezes inspirara o cineasta-poeta em vida.

Tudo isso combinava com o homem que disse: “Tudo é Canção. Tudo é Silêncio. Uma vez que tudo vem a ser ilusão, perfeitamente sendo o que é, nada tendo a ver com o bom e o mau, você é livre para morrer rindo.”

O lema de Broughton era viver intensamente e livremente seu potencial afetivo, erótico, criativo, e morrer feliz por ter vivido. Num mundo cheio de tanta gente problemática, porque não consegue viver em paz consigo mesmo e, por conseguinte, não vive em paz com o outro, a obra de Broughton revigora e estimula quem com ela se depara.

Como ateu e humanista, gostei que ele não se deixasse escravizar pela grande Neurose humana (vocês sabem quem). Ele diz: “Os homens temem demais a alegria, temem seus instintos. Temem render-se a seus sentimentos. Temem amar a si mesmos nos outros e amar os outros em si mesmos. Temem amar seus verdadeiros deuses.”

Assim, pergunto do alto da minha insignificância: para que nos fixarmos em deuses que são a imagem e semelhança dos homens, quando podemos contemplar a matriz que lhes deu origem, ou seja, o próprio homem, com tudo o que o corpo produz, inclusive a consciência?

Para que pensar em paraísos extraterrenos, quando a terra dança diante de nós sem a menor pretensão de ser qualquer coisa que já não seja: linda, aterrorizante, fértil, mortífera, rica e diversa em todos os sentidos possíveis?

Por que se deixar atormentar na pouca vida que temos para viver por coisas que nada mais são do que projeções imaginárias de mentes perturbadas por culpas e medos que já deveriam, há muito, ter sido superados?

De que adianta também não crer na grande Neurose humana, mas viver como se alguma coisa do sistema que alimenta e se alimenta dessa Neurose fosse verdadeira, útil ou necessária?

James Broughton consegue viver acima disso tudo, expandindo-se em todas as direções. O que pode ser mais benfazejo do que o amor? E me refiro ao amor que ama o concreto e o abstrato no ser humano. Não penso um amor que des-corpo-rifica, mas também não penso na constante objetivação do outro como aquilo que pode ser usufruído a meu bel-prazer. Penso em todas as possibilidades do amor, desde aquele que ouve as alegrias e tristezas do outro até aquelas formas de amor que produzem orgasmos.

Todo tipo de amor vale a pena. E isso é tudo o que nós resta: amem-se uns aos outros, ou morram, já dizia James Broughton.

Quem não ama, morre sem ter vivido. Quem ama vive até ter morrido. (Sergio Viula) ^^

ALGUMAS CITAÇÕES DE JAMES BROUGHTON:

“Foi tão importante viver poeticamente quanto escrever poemas.”

“Se você não preenche seus dias com amor, você está desperdiçando sua vida.”“Tudo é Canção. Tudo é Silêncio. Uma vez que tudo vem a ser ilusão, perfeitamente sendo o que é, nada tendo a ver com o bom e o mau, você é livre para morrer rindo.”

“Confiar em sua singularidade individual o desafia a abrir-se.”

“Fui invadido pelos meus próprios segredos e tenho que tentar descobrir como viver com eles.”

“Os homens temem demais a alegria, temem seus instintos. Temem render-se a seus sentimentos. Temem amar a si mesmos nos outros e amar os outros em si mesmos. Temem amar seus verdadeiros deuses.”

“Terão os homens sempre sido aterrorizados por sua verdadeira natureza? Será a história um registro de sua negação de si mesmos?”

“A vergonha não é mais relevante.”

“Por que será que eu estou aqui, realmente? Para me esconder ou para me escancarar?

”Se tudo o que se espera de uma pedra é que ela seja uma pedra, por que não se espera que um homem seja o tipo de homem que ele é, em vez da ideia de alguém sobre o que o homem deveria ser?”

“Tudo sempre esteve aí de um jeito ou de outro. Então, [isso] deve saber o que está fazendo. E uma vez que eu sou parte disso tudo, uma boa parte de mim deve estar certa simplesmente do jeito que ela é e do jeito que está funcionando.”

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James Broughton