Cristofobia: o cúmulo do cinismo

Por Sergio Viula

Com-deus-não-se-brinca um sábado qualquer

Charge produzida por Um Sábado Qualquer

Cristofobia: o cúmulo do cinismo

Por que isso não pode ser levado na brincadeira?

Há pouco mais de um ano, precisamente no dia 13/03/14, a Folha de São Paulo reverberava notícia publicada pela AFP (Agence France-Presse), que alertava para o crescente número de leis contra a blasfêmia aprovadas por governos ao redor do mundo. O objetivo dessas leis é sempre político e se constitui no jeito mais fácil de tirar de circulação cidadãos considerados “inconvenientes”por esses governos.

Na época, a Comissão Americana sobre a Liberdade Religiosa Internacional, disse que “essa tendência a recorrer cada vez mais às leis antiblasfêmia levará a um aumento das violações das liberdades de religião e de expressão”. O aviso foi dado por Knox Thames, um dos responsáveis da comissão.

A Rússia, o Paquistão e o Egito eram as três maiores preocupações naquele momento.

Agora, vemos o esboço de um movimento nessa direção por parte de deputados evangélicos e católicos na Câmara Federal. Só isso já devia nos convocar ao protesto . Trata-se da cínica proposta de “criminalização da cristofobia” – o que nada mais é do que a tentativa de uma bancada envagélico-católica fundamentalista de esboçar uma lei antiblasfêmia no Brasil, podendo nos fazer retroceder algumas centenas de anos em termos de Direito Civil. Parece muito improvável que isso siga adiante, mas é sintomático que tal ideia tenha sido ventilada com tanta veemência na maior Casa Legislativa do país.

Pensando hipoteticamente na aprovação de uma lei espúria como essa, quais seriam as consequências imediatas ou a médio e longo prazo?

  1. Qualquer religião que não fosse cristã poderia ser acusada de cristofobia;
  2. Qualquer manifestação contrária à ideologia desses pastores patifes poderia ser considerada cristofobia;
  3. Qualquer recusa a frequentar templos, orar em nome de Jesus, curvar-se diante da menção do nome dele ou de alguma representação (como no caso das imagens católicas) poderia ser considerado cristofobia;
  4. Assumir-se ateu/ateia ou simplesmente sem religião poderia ser considerado cristofobia;
  5. Não se submeter aos ditames dessas igrejas quanto ao uso do próprio corpo poderia ser considerado cristofobia;
  6. E por aí vai…

Em outras palavras, seríamos todos criminosos até que provássemos nossa inocência confessando o nome de Cristo e nos curvando diante dele (diante dele como se ele não está lá? – mas isso não faz diferença).

Esse povo tem o que na cabeça? Merda de pombo?

Quando eu digo que as demandas humanistas secularistas, ateístas/agnósticas, LGBT, das religiões de matriz africana, das religiões minoritárias não cristãs, dos movimentos de combate ao racismo, e outras semelhantes não estão dissociadas no que diz respeito à oposição que todos enfrentamos da parte desses fundamentalistas famintos por poder e controle sobre toda a sociedade, tem gente que não entende. Será que eu preciso desenhar?

Precisamos fazer frente a tudo isso, divulgando informação de qualidade, fazendo manifestações bem articuladas, conduzindo debates equilibrados e racionais em todos os meios possíveis (casa, escola, universidade, trabalho, inclusive nos templos onde haja abertura para tal).

Não podemos nos render à tentativa desses canalhas de implantar uma teocracia de costumes, esse moralismo estéril e mortificante, típico do fundamentalismo religioso, nesse caso evangélico-católico, ou a descaracterização do ensino científico nas escolas e universidades, ou o impedimento do fluxo de informações primordiais para a saúde do corpo, inclusive do ponto de vista da sexualidade, tal como a prevenção à gravidez, ao HPV, ao HIV e a outras doenças sexualmente transmissíveis, ou o impedimento do reconhecimento da dignidade de todas as pessoas e de suas relações amorosas, e por aí vai. Não podemos admitir que eles controlem tais coisas. As pessoas devem ser livres para decidirem sobre todas essas coisas.

A tática desses cães de guarda do cu alheio é sempre a mesma: promover pânico e desinformação, apresentando-se como guardiões do Supremo Bem. Minhas tripas se reviram só de pensar nisso.

Essa gente joga baixo. E o pior é que tem gente que acredita, inclusive entre os “maiores incrédulos da boca para fora” espalhados aí pelas redes sociais. Jogaram baixo quando colocaram diversas fotos que nada tinham a ver com a Parada LGBT de São Paulo para denegrir aquele movimento; jogaram baixo quando alegaram que cartilhas de prevenção a DSTs e AIDS do Ministério da Saúde para serem distribuídas entre prostitutas e travestis que “fazem pista” eram material escolar para crianças do ensino público; jogaram baixo quando difamaram a campanha do governo federal para imunização de meninas contra o HPV,  iniciativa de extrema importância para evitar que elas corressem o risco de pegar esse vírus, muitas vezes letal, de seus futuros namorados e maridos (a maioria dos homens o tem e nem sabem). E a lista continua.

Não podemos nos calar, mas também não podemos ficar só na piadinha. É preciso produzir material de qualidade, informativo, esclarecedor. É preciso colocar a cara no sol e dizer que não admitimos essa manobra macabra de jeito algum.

E isso não é tarefa só para ateus, agnósticos, LGBT e adeptos de religiões minoritárias. Isso tem que ser um compromisso ético de todos, inclusive dos evangélicos e católicos esclarecidos, que não caem na conversa desses patifes, porque compreendem muito bem que o projeto deles nada tem a ver com o Reino de que seu Mestre falara tantas vezes.

Seja por um motivo, seja por outro, não há como não dizer NÃO a essa vergonhosa e perigosa tentativa de “criminalização da cristofobia”. Mais que um deboche para com causas nobres que visam a proteger os Direitos Humanos, essa lei estapafúrdia pode desgraçar a vida de muita gente nesse país.

Vale lembrar, já que muita gente fez exatamente o contrário nas eleições passadas, inclusive entre ateus e agnósticos: NÃO VOTE EM FUNDAMENTALISTAS E CONSERVADORES. Seja mais esperto que isso. E não é por amor a deus algum. É somente por amor a si mesmo.

Um comentário sobre “Cristofobia: o cúmulo do cinismo

  1. Não faz muito tempo e todos diziam ‘Je suis Charlie’, espero que se lembrem que isto representava a indignação de todos com a intolerância religiosa, e o apoio a liberdade de expressão.

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